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D) O Movimento da Matéria em Kardec

  • Foto do escritor: Vinícius Costa
    Vinícius Costa
  • 11 de out. de 2022
  • 3 min de leitura


Como já observado na construção feita até aqui entre filosofia e espiritismo, Kardec não é um autor, por excelência, de tendência empírica de pensamento, também nem racionalista por oposição a tal tendência, já que o criticismo kantiano dominava o século XIX, tornando essa disputa, pra muitos pesquisadores, inóspita e de pouco sentido na contemporaneidade. Não obstante, em o “Livro dos Espíritos” a questão do mobilismo da matéria é essencial para a formulação teórica dos espíritos na codificação. O codificador não despreza a ontologia de Heráclito, mesmo que a aplique apenas para a criação e não para o criador em sua ciência da religião proposta com o Espiritismo. O devir garante, inclusive, a manutenção da vida, para os Espíritos e para Kardec na codificação:


68 Qual a causa da morte dos seres orgânicos?

“Esgotamento dos órgãos.”


Poder-se-ia comparar a morte à cessação do movimento de uma máquina desorganizada?

“Sim; se a máquina está mal montada, cessa o movimento; se o corpo está enfermo, a vida se extingue.” (grifos nossos) [1]


Dessa maneira, os espíritos deixam claro que o conceito de morte é relativo à existência da matéria. O estado de cessar o movimento ocorre em algum plano que dependa da matéria para a manifestação da existência. Por isso, por lógica, Deus não é, e nem pode ser, da mesma dimensão da realidade da matéria e do espírito criados. Se assim o fosse, Deus não poderia ser eterno e estaria suscetível ao fenômeno do movimento da matéria que ao cessar lhe causaria o fenômeno da morte como ocorre com a criação em seus estágios de renovação. No Espiritismo, bem como no Cristianismo, a qualidade da natureza divina precisa ser outra daquela da criação para que os fenômenos e leis naturais da criação não se apliquem ao criador o que poderia levar a um paradoxo lógico filosófico sem saída para a defesa da existência de Deus.


Um ponto a mais que o Espiritismo traz a essa discussão no século XIX é uma antecipação da discussão sobre o que é matéria que a física irá realizar no século XX quando as leis do classicismo newtoniano começarem a serem quebradas por teorias como o Princípio da Incerteza de Heisenberg ou, até mesmo, a ideia de a matéria não ser composta por elementos estanques na revisão de física clássica feita por Einstein. No Espiritismo isso é compreendido, pelos espíritos da codificação, como uma revisão sobre o potencial dos nossos sentidos. Em verdade, essa é uma discussão plena do século XIX que levou a descoberta da eletricidade, da termodinâmica, da microscopia e do magnetismo. Não é necessariamente porque algo não é alcançável pelos sentidos que este algo não seja material e natural. Os sentidos humanos possuem limitações de observação na própria natureza porque a matéria se apresenta em estágios, energias, dimensões e tamanhos não alcançáveis em plena potência pelos órgãos humanos, limitadores das impressões sobre o mundo.


Em sentido espírita, tal constatação, abre um caminho para que o mundo espiritual também seja material e existente, não como sobrenatural, mas sim como elemento físico, ou seja, existente em algum nível da matéria mesmo que não perceptível aos olhos do simples do observador. Os espíritos da codificação apresentam tal colocação na questão vinte e dois de “O Livros dos Espíritos” alinhando -se com as possibilidades linguísticas sobre as condições da matéria que a ciência a partir do século XIX trouxe:


22. Define-se geralmente a matéria como aquilo que tem extensão, pode impressionar os sentidos e é impenetrável. Essa definição é exata?

— Do vosso ponto de vista, sim, porque só falais daquilo que conheceis. Mas a matéria existe em estados que não percebeis. Ela pode ser, por exemplo tão etérea e sutil que não produza nenhuma impressão nos vossos sentidos: entretanto, será sempre matéria, embora não o seja para vós.[2]


Ao conectar-se Kardec a Heráclito percebe-se que o Espiritismo se alia ao pensamento do filósofo jônico na questão de a matéria, parte fundamental da criação, estar em movimento. As leis da matéria partem inicialmente do devir de Heráclito. O filósofo pré-socrático pensava a verdade de tudo por este princípio. No Espiritismo, o movimento do mundo aplica-se a matéria, e ao espírito apesar de não exatamente da mesma maneira. No espírito, a jornada evolutiva altera a dinâmica de movimento de maneira consciente à medida que este, saindo da ignorância para a sabedoria, amplia sua consciência conquistando mais autonomia no movimento evolutivo. Mas isso é um assunto mais para frente para Kardec conversar com outros filósofos da modernidade e contemporaneidade. A questão aqui é que a matéria se apresenta em movimento por Lei. Já Deus antecede a Lei, justamente por ser o criador desta.

[1] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: filosofia espiritualista / recebidos e coordenados. [tradução de Guillon Ribeiro]. – 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. Pág. 103-104. [2] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: filosofia espiritualista / recebidos e coordenados. [tradução de Guillon Ribeiro]. – 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. Pág. 81

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