B) Características Centrais de Kardec em relação a Heráclito.
- Vinícius Costa
- 11 de out. de 2022
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As respostas dos espíritos a Kardec têm um tom geralmente explicativo, mas quando a pergunta, aparenta redundância temática, insistência em determinado ponto de vista, ou repetição de questionamentos, assim como Heráclito, os espíritos da codificação usam de aforismos. Quando isso ocorre a ideia dos Espíritos é estimular que o codificador, bem como o próprio leitor da obra, chegue à complexidade daquela resposta pelo seu próprio logos que já precisa dar conta daquela reflexão por si mesmo. Esses aforismos em “O Livro dos Espíritos” visam explicar temas básicos de maneira direta e objetiva ou responder o questionamento com uma nova pergunta.
Na questão setenta e dois, por exemplo, a repetição da pergunta sobre a criação, leva a uma resposta direta para que o próprio leitor aprofunde no axioma da existência de um criador universal:
72. Qual a fonte da inteligência? “
Já o dissemos; a inteligência universal”[1]
Os espíritos já haviam respondido essas questões no início da primeira parte da obra, por isso optam por uma resposta afórica sem detalhamento de explicações que lembra bastante os textos encontrados no período pré-socrático. Outra forma de resposta em estilo afórico dos espíritos é estimular com um questionamento a reflexão. Ao responder à questão cento e sessenta e sete de O Livro dos Espíritos essa opção filosófica é usada:
167.Qual o fim objetivado com a reencarnação?
“Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade. Sem isto, onde a justiça?”[2]
A sugestão aqui é, de novo, que o próprio logos do leitor deduza que a ideia da reencarnação como uma necessidade, mais do que revelada, acima de tudo lógica, para que a Lei Divina de Justiça seja efetiva. Assim, a crença na reencarnação deixa de ser um simples dogma religioso e passa a ser um princípio filosófico necessário para que o sistema teórico defendido faça sentido. Para isso não se deve, apenas, crer, em sentido religioso na reencarnação, mas deduzir esse princípio por meio racional. Esse é o convite dos espíritos que a pergunta no final de sua resposta almeja estimular em Kardec e em todos os leitores da obra. Tal estratégia é muito utilizada na codificação. Respostas explicativas em o “Livro dos Espíritos” são aquelas que tem caráter mais científico de explicação sobre fenômenos já conhecidos. As respostas em aforismo visam estimular o raciocínio filosófico do leitor para que, ele, por si, a partir do estímulo dado, deduza a continuidade lógica do pensamento.
Para além disso, o uso de aforismos é uma das formas de comunicação usadas pela espiritualidade também pela natureza do intercâmbio mediúnico A mente humana, em estágio de latência para a comunicação espiritual, torna-se mais flexível para que o arcabouço mental do médium seja usado pelos espíritos para construir a comunicação. Os espíritos chamam esse estágio de latência mental de “estágio de crise” como pode ser visto no tópico duzentos e vinte e três de “O Livro dos Médiuns”:
223. 1a No momento em que exerce a sua faculdade, está o médium em estado perfeitamente normal?
“Está, às vezes, num estado, mais ou menos acentuado, de crise. É o que o fadiga e é por isso que necessita de repouso. Porém, habitualmente, seu estado não difere de modo sensível do estado normal, sobretudo se se trata de médiuns escreventes.” (grifo nosso)[3]
Neste estado de crise, o logos reflexivo, momentaneamente é anestesiado, mas não paralisado, para que a própria mente do médium afrouxe as reflexões e questionamentos que possam vir a considerar a mensagem dita real, ou não, interferindo decisivamente na construção da respostas espirituais durante a articulação lógica da mensagem para se fazer entendida. Como deixa claro Kardec, o médium, de alguma maneira, é tradutor daquela mensagem espiritual, o que o faz necessitar ter elasticidade mental para tal:
223. 6a O Espírito que se comunica por um médium transmite diretamente seu pensamento ou este tem por intermediário o Espírito encarnado no médium?
“O Espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao corpo que serve para falar e por ser necessária uma cadeia entre vós e os Espíritos que se comunicam, como é preciso um fio elétrico para comunicar a grande distância uma notícia e, na extremidade do fio, uma pessoa inteligente, que a receba e transmita.” (grifo nosso)[4]
Dessa maneira, a construção da resposta em aforismos cruza essa fronteira anímica do médium de maneira rápida e direta na construção da mensagem na mente do médium. Por vezes a mente do medianeiro só vai conseguir realizar o exercício logosófico sobre a mensagem recebida através dele, de maneira completa, após a mensagem ter sido realizada. Não obstante isso, faz-se comum, que, muitos médiuns, mesmo aqueles conscientes, esqueçam a mensagem dita muito rapidamente, apesar de, por vezes, ficarem com a impressões positivas ou negativas destas, precisando, em caso de psicografia, ler a mensagem para relembrar o que foi dito por meio dele ou , no caso da psicofonia, escutar a gravação. Isso se dá, justamente, pelo fato de o “estado de crise” mediúnico flexibilizar o logos do médium durante a manifestação espiritual sendo recobrado, paulatinamente, após o desenlace da energia do espírito em relação ao períspirito do médium.
Posto isto, os aforismos de Heráclito levam a conclusão da busca da verdade de tendência empirista, já mencionada, enquanto os aforismos dos Espíritos na codificação direcionam a busca da verdade para o homem que interage como a natureza, para o sujeito e não o objeto, como também, já explicado aqui pela questão da mudança de paradigma com a Revolução Transcendental Kantiana na Modernidade. Nesse sentido, nem um pré-socrático estudado apresentar-se-á com uma teoria completa em relação a construção do Espiritismo no século XIX. Cabe, assim, vê-se o que aproxima e afasta Heráclito à Kardec.
[1] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: filosofia espiritualista / recebidos e coordenados. [tradução de Guillon Ribeiro]. – 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. Pág. 76. [2] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: filosofia espiritualista / recebidos e coordenados. [tradução de Guillon Ribeiro]. – 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. Pág. 157. [3]KARDEC, Allan O livro dos médiuns, ou, guia dos médiuns e dos evocadores: Espiritismo experimental. [tradução de Guillon Ribeiro a partir da 49a edição francesa de 1861]. – 81. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. Pág. 227. [4] KARDEC, Allan O livro dos médiuns, ou, guia dos médiuns e dos evocadores: Espiritismo experimental. [tradução de Guillon Ribeiro a partir da 49a edição francesa de 1861]. – 81. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. Pág. 228-229.
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