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C) Tendências Filosóficas e o Conhecimento

  • Foto do escritor: Vinícius Costa
    Vinícius Costa
  • 11 de out. de 2022
  • 4 min de leitura

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Ao descobrir se um pensador é dogmático ou cético em sua postura filosófica, uma nova questão emerge. Ao assumir a busca da verdade, no caso revelando-se uma postura dogmática filosófica, onde estaria essa verdade e como descobri-la? Em termos gerais, observa-se na história da filosofia dois caminhos iniciais para a questão de como encontrar a verdade almejada: as tendências filosóficas racionalistas e empiristas.


A tendência racionalista de filosofia apresenta a busca da verdade pela razão em si. Aqui distancia-se, historicamente, o racionalismo apresentado como tendência, da corrente defendida por Descartes na modernidade com este mesmo nome, mesmo possuindo características muito semelhantes, ao que será descrito, apenas, para poder-se estender tal classificação para todos os filósofos no tempo que pretendam encontrar a verdade pela pura razão. A razão, assim, em estado latente é o caminho para a verdade. Razão esta que seria capaz, pelo exercício abstrato da mente, de encontrar o saber e revelá-lo. A racionalidade humana, expressa pelo ato puro do pensar, seria capaz, em si mesma de encontrar todo o conhecimento verdadeiro.


Em oposição a esse ideário, está a tendência empirista, aqui também não usada estritamente como sinônimo da corrente do mesmo nome da época moderna que teve como representante central o pensamento de Hume, pelo mesmo motivo supracitado de não ocorrer em anacronismo ao estender tal característica para análises de pensadores fora da modernidade. Para os pensadores de tendência ao empirismo, a verdade poder ser encontrada pelos sentidos humanos, podendo ser alcançada por um, ou mais, dos cinco sentidos: olfato, paladar, tato, visão e audição. Dessa maneira, a verdade pode ser demonstrada e não somente compreendida pela pura razão como evoca o pensar racionalista sobre o tema.


No auge da discussão sobre como descobrir a verdade, justamente na época moderna que evidenciou o conflito entre empiristas e racionalistas como opostos aparentemente inconciliáveis, uma terceira percepção sobre como encontrar a verdade surgiu, liderada pelo filósofo, de origem prussiana, Immanuel Kant. Buscando uma resposta que pudesse unir as tendências racionalistas e empiristas da história da filosofia, após um grande período de reclusão íntima para estudo do tema, Kant ofereceu uma terceira via de análise: o criticismo. Esta tendência unia as percepções racionalistas e empiristas na busca da verdade, mas para tal provocava uma revolução no fazer filosófico que até os dias atuais impacta o pensamento humano. Kant faz uma revolução transcendental do saber, também conhecida como Revolução Copernicana do Conhecimento por inverter, aos moldes do astrofísico polonês de Torun que ainda jovem foi estudar astronomia na Itália, o eixo de percepção humana sobre o mundo. Se Copérnico é reconhecido na história da astronomia por propor uma mudança de eixo no modelo aristotélico-ptolomaico, a terra no centro do universo (geocentrismo) é substituída por um modelo que exalta o sol nessa posição (heliocentrismo), Kant, na filosofia, tem o mesmo impacto do filósofo italiano. Para resolver o dilema se a verdade se revelaria pelos sentidos ou pela pura razão, Kant tira a discussão de que a verdade aparece pelo objeto e a ressignifica para mostrar que ela está no sujeito ativo que observa o mundo e não no objeto passivo observado. O criticismo, então, surge ao final do século XVIII como uma revolução filosófica tão importante para a história como a revolução francesa e sua defesa de valores como a liberdade, igualdade e fraternidade.


Nesse sentido filosófico, de tentar provar qual caminho para a verdade é correto, pelos sentidos ou pela razão, a proposta de Kant, de não ser por um ou outro lado, podendo ser em ambos, já que a verdade está no sujeito e não no objeto, alcança decisivamente os trabalhos de Kardec. A preocupação do educador francês em demonstrar o Espiritismo tanto de maneira lógica racional quanto em revelar o mundo espiritual para os sentidos, rejeitando uma sobrenaturalidade do mundo espiritual e evidenciando uma defesa deste mundo também como sendo físico-natural - mesmo que não no mesmo estágio vibracional da matéria deste mundo - revelam o perfeito encaixe da filosofia do codificador da Doutrina do Espíritos com a proposta revolucionária feita décadas antes de Kardec, por Kant. Isso permite afirmar que, filosoficamente, a forma de demonstrar a verdade feita por Kardec em seu espírito dogmático filosófico de busca da verdade vai ao encontro do criticismo. A verdade não está em si no mundo-objeto, mas sim na relação do sujeito que observa este mundo. Não ao acaso, a obra da codificação kardequiana com maiores características filosóficas, “O Céu e o Inferno”, tem por escopo demonstrar que o nem o céu, nem mesmo o inferno, são lugares estanques no mundo, o que os faria se comportar como objetos verdadeiros ou falsos na investigação científica filosófica, mas sim construções do sujeito perante suas vivências, experiências e, sobretudo, sua consciência que criam as realidades angélicas ou infernais ao seu redor.


Kardec tem a confirmação final desse entendimento criticista pelo qual analisa seus diálogos como os Espíritos, advindo dos próprios comunicantes espirituais da codificação que, em resposta a provocação da questão novecentos e dezenove de O Livro dos Espíritos, sentenciam a intuição socrática, destrinchada racionalmente por Kant, como forma de saber a verdade, na revolução transcendental:


919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?

“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”[1].



Os espíritos, ao repetirem a sugestão do mestre ateniense, que por sua vez repete os dizeres míticos do templo de Delfos no famoso “conhece a ti mesmo”, formam a base de sustentação central da filosofia espírita, em um binômio iniciado por Sócrates indo até o entendimento kantiano, pela compreensão e entendimento do professor Rivail.


[1] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: filosofia espiritualista / recebidos e coordenados. [tradução de Guillon Ribeiro]. – 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. Pág. 517.

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