B) Posturas Filosóficas e o Conhecimento
- Vinícius Costa
- 11 de out. de 2022
- 3 min de leitura

Na busca pelo saber, o ser humano, em generalidade, possui duas maneiras de se portar perante o conhecimento. Na história da filosofia convenciona-se chamar estas duas posturas perante o saber de dogmatismo e ceticismo. Essas duas palavras, principalmente em senso comum, podem apresentar sentidos diversos das que são filosoficamente utilizadas aqui. Por isso cabe destacá-las com cuidado, pois esses dois conceitos serão o eixo para apresentação da história da filosofia aqui realizada.
O conceito filosófico de dogmatismo, aqui utilizado, resume-se apenas à postura filosófica do sujeito em busca da verdade. Afasta-se, assim, do sentido comumente da palavra ao longo da tradição religiosa, principalmente cristã, que usa o termo dogma como uma fé na verdade de maneira a que não se possa, ou deva, questioná-la. A apropriação do sentido deste termo, ligado a uma discussão de verdade sem questionamento, remete ao pensamento heterônomo moral de parte dominante da igreja católica medieval e sua defesa, intransigente, da infalibilidade papal. A partir daí a palavra dogma passa a ser utilizada também no sentido apresentado de exatidão inequívoca da fé, ou seja, de um conhecimento verdadeiro infalível e não passível de ser construído por questionamentos ou pela própria busca humana. Esse uso semântico traz prejuízos na análise filosófica, pois a atitude da filosofia é, por si, uma atitude questionadora. Dessa maneira, ao classificar-se, na história da Filosofia, determinado pensador como dogmático quer se dizer, apenas, que aquele intelectual pretende com sua filosofia, seus questionamentos e provocações, encontrar a verdade que ele acredita ser possível de ser alcançada. Em termos simples, significa, que aquele filósofo busca respostas com sua filosofia e não que ele pense que essa verdade não possa ser questionada, como no sentido do uso da palavra dogma, em termos religiosos comuns. É por isso que, a maioria dos filósofos aqui, são classificados como dogmáticos e isso não deve incomodar o leitor, mesmo com o monopólio semântico do termo causado pelo viés religioso medieval aqui descrito. Chamar um pensador de dogmático, em sentido filosófico, significa, apenas, isso: dizer que este pensador pretende com sua filosofia encontrar uma, ou mais respostas sobre o dilema do que é a verdade.
Em sentido oposto tem-se a postura cética. Uma oposição de postura que precisa ser bem entendida para que não seja compreendida como uma recusa a verdade, pois, se assim o fosse, a negação da verdade, paradoxalmente, a postura cética criaria um dogma: a não verdade. Dessa maneira, os filósofos céticos ao longo da história da Filosofia não são aqueles que negam a possibilidade de verdade. O ceticismo filosófico foge desse paradoxo, que até mesmo parte dos declarados céticos atuais, inclusive em relação à religião como, por exemplo, ao pensar o ateísmo como uma simples negação da divindade, incorrem. O cético, em sentido filosófico, é, apenas, aquele que tem dúvida da possibilidade da existência de uma resposta para o dilema da verdade. O ceticismo, enquanto postura de fazer filosófico, prefere-se manter em estado de constante questionamento, não de negacionismo. A interrogação permanece e não, necessariamente leva a uma exclamação expositiva, ou seja, uma resposta. Enquanto postura, a dúvida reina até o final, sem ser, apenas um meio para o encontro da verdade como na postura dogmática.
A partir dos sentidos filosóficos dos termos apresentados, pode-se depreender a postura filosófica de Kardec ao propor seu contato com o Espiritismo: a dogmática. Kardec interpola os espíritos em busca da verdade, criando inclusive um método para tal: a necessidade da universalização das respostas espirituais por mais de um médium. Essa é a forma que o codificador encontra de demonstrar que as respostas espirituais obtidas se aproximam da universalidade das respostas dos espíritos superiores na codificação. Sua postura filosófica dogmática, ou seja, de busca da verdade, é o que permite construir os livros da codificação que almejam responder dilemas centrais da humanidade. Entretanto, ao pensar no sentido religioso católico medieval do termo dogma, mais popularizado no senso comum, Kardec se afastava. O Espiritismo se constrói metodologicamente a partir de questionamentos dos seres encarnados para com os espíritos em uma busca de diálogo. Não se encontra apenas uma, mas sim várias questões de O Livro dos Espíritos que mesmo após a resposta dos espíritos Kardec insiste no tema buscando questionar mais ainda aquela verdade, de alguma maneira, revelada. A própria preocupação metodológica de averiguação das respostas com mais de uma médium revela a preocupação kardequiana de pensar o dogmatismo apenas no sentido filosófico e não no viés religioso tradicional, de infalibilidade, comumente usados. Por último, não se propõe na Doutrina dos Espíritos pela lógica kardequiana, nada além, de princípios da verdade que possam ser categoricamente revisitados por pesquisas e investigações, não sendo compreendidos por dogmas a serem aceitos heteronomicamente como um saber estanque revelado de cima para baixo, cabendo ao fiel, apenas, a aceitação passiva. Essa sempre foi a proposta de Kardec, mesmo que nem sempre seguida no meio espírita.
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