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C) Período Helênico e a Doutrina dos Espíritos

  • Foto do escritor: Vinícius Costa
    Vinícius Costa
  • 11 de out. de 2022
  • 6 min de leitura

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O século IV a.e.c marca ao mesmo tempo a parte final da era de ouro grega, representada na liderança de Atenas e o início da decadência do mundo grego com as invasões macedônicas lideradas por Felipe II, primeiramente, e depois por seu filho, Alexandre, que levará o projeto expansionista macedônico para todo os povos do mediterrâneo. A história de Alexandre entrecruza-se com a filosofia grega, pelo fato de Aristóteles, pensador discípulo de Platão e mais importante nome filosófico da Grécia no século IV a.e.c, ter sido preceptor da educação do, então, príncipe macedônico. Alexandre, possuía enorme afeição à cultura grega e, principalmente, a filosofia de seu mestre Aristóteles. Não à toa, cuidou pessoalmente, em suas ocupações territoriais, de levar a cultura grega para os povos conquistados. A este processo dá se o nome de helenismo. Os helenos eram o nome dados aos povos gregos pelos demais povos do mediterrâneo em referência a poesia homérica já então popularizada no mundo conhecido. Do ponto de vista filosófico, Aristóteles era o pensador preferido de Alexandre o que o fez guardar seus originais nas bibliotecas das capitais alexandrinas fundadas e traduzir as obras aristotélicas para línguas de povos conquistados. É deste fato que se percebe a grande influência de Aristóteles nos povos árabes, principalmente na época medieval, onde a filosofia árabe tornou-se a principal no mundo legando pensadores como Averrois, Al-Farabi e Avicena além de grandes avanços matemáticos e científicos derivado do logos árabe influenciado por Aristóteles.


Se a expansão macedônica levou a cultura grega pelo mundo, o cenário dentro da própria Grécia foi um pouco diferente. Uma ambiguidade de sentimentos tomou conta do grego em relação à Aristóteles e à filosofia clássica. Ao mesmo tempo em que o helênico sentia orgulho do conhecimento grego, produzido em terras atenienses, ser levado ao mundo, parte da população grega não se conformava que tamanho saber tivesse sido entregue aos povos macedônicos. Muitos acreditavam que Aristóteles inclusive havia sido usado para que Filipe II obtivesse mais informações sobre a Grécia o que teria facilitado o processo de ocupação territorial macedônico sobre os gregos. A sensação de impotência e decepção após a era de ouro da Grécia tomou conta do grego após a invasão macedônica. Filosoficamente é nessa hora que o logos filosófico passa a ser questionado como único caminho seguro do conhecimento do saber para o indivíduo. Várias escolas filosóficas nascem, então, colocando em dúvida a exaltação do logos em si no fazer filosófico e para a construção de uma vida em eudaimonia ou seja, feliz. Duas novas palavras então emergem no horizonte filosófico grego e vão influenciar todo o período helênico, chegando como força até o período românico, quando estes dominarem a Macedônia e o mundo conhecido, ali ao redor do mediterrâneo: a ataraxia a e apatheia. A ataraxia nasce a partir de uma vontade do grego de atingir um estado de imperturbabilidade onde a paz e a tranquilidade emerjam. A apatheia passa a ser valor que complementa a ataraxia definindo-se como um estado de não sofrimento, de ausência de dor. Esses dois valores coadunam com a vida que os homens gregos, levavam, após a invasão alexandrina. Não bastava o saber e reflexão filosófica em si para construir o estado de felicidade. Esse saber precisava auxiliar para construir a paz naqueles indivíduos politicamente dominados.


Várias escolas de pensamento surgiram no helenismo na defesa destes valores supracitados e quatro delas destacaram-se tendo uma trajetória de pensamento que caminharam por todo o período helênico e possuem defensores até os dias atuais. São elas: o cinismo, o estoicismo, o ceticismo e o epicurismo.


O cinismo, prática filosófica iniciada por Diógenes, o cão (em referência a sua vida livre pela ágora de Atenas) tinha por escopo o desapego do ser humano àquilo que o prendia e limitava. Assim, esse desapego envolvia os bens materiais, as relações humanas e, até mesmo, o prazer. Só o ser humano completamente livre poderia viver em ataraxia. Já o estoicismo, na Grécia liderado por Zenão de Cìtio, defendia a aceitação como instrumento de paz. A vida possuiria um fluxo determinado pela natureza onde qualquer infelicidade surgiria pelo não reconhecimento dessa sabedoria natural, de condução do mundo natural sempre para o melhor. A ataraxia se daria no encontro de ritmo de caminhada entre natureza e o homem. A terceira corrente filosófica helenista, o ceticismo nasceu a partir de duas correntes, uma com maior presença do logos, dentro da própria escola platônica, o que fez ficar conhecido como ceticismo acadêmico, e outro mais afastado do logos grego, liderado por Pirro, até então general macedônico de Alexandre, conhecido como ceticismo pirrônico. No pensamento cético, a dúvida surge não como objeto político de disputa, como no caso sofista, mas de uma forma de se possuir tranquilidade mental. A partir do momento em que não se tem como meta a revelação da verdade, os céticos helênicos defendiam que a mente não mais se inquieta, encontrando o repouso necessário para a reflexão pacífica. A dúvida, assim, deveria se estender por toda a atividade do pensar.. Por último, o epicurismo foi, dentre as filosofias surgidas no helenismo, a teoria mais sistêmica. Epicuro havia tido Platão como inspiração e sua filosofia possui ligações com a teoria de seu mestre, mesmo com rupturas e diferenças. Ligando filosofia à natureza, Epicuro defendia que o logos devesse ser acessado em ambientes naturais como os jardins, espaços que também possibilitariam aos estudantes as sensações de prazer. A ataraxia viria por meio de quatro remédios, o tetrafarmakon. Primeiro o sujeito deveria parar de temer os deuses, pois eles não fiscalizariam a moral humana como imaginado nos mitos. Após isso parar de temer a morte, pois como processo natural da vida fatalmente ocorreria. O terceiro remédio consistira em levar uma vida com prazer. O prazer físico material faz parte disso, mas Epicuro não pensa no gozo exclusivo material como no “carpe diem” romano séculos depois. O prazer que defende é o moderado, ou seja, também sendo possível de ser alcançado pela razão, pelo crescimento intelectual, não só pela dedicação aos prazeres do corpo. Por último, seria necessário suportar o mal, parte da vida, mesmo que não queiramos.

Das escolas helênicas citadas aquela que teve um folego de destaque no sentido religioso, foi o estoicismo. Seus valores casaram-se com os ideais dos primeiros cristãos que enxergaram nos tratados estoicos iniciados um pré-cristianismo e até mesmo uma preparação para vinda de Jesus à Terra. A aceitação de Jesus na cruz, sem rebeldia, é interpretada por comunidades primitivas do cristianismo como o exemplo estoico perfeito. A natureza a que se deve confiar passa a ter nome: Deus.


A busca de um conhecimento que construa a paz interior, a tranquilidade e a imperturbabilidade estão também no âmago da proposta da construção da Doutrina dos Espíritos em Kardec. A felicidade almejada passa por esses estados conscienciais de paz no Espiritismo. Dos helenistas, Kardec busca essa inspiração.


Na questão duzentos e cinquenta e sete de o Livro dos Espíritos, o mestre lionês não faz uma questão aos espíritos, mas sim um tratado filosófico chamado “Ensaio teórico da sensação nos Espíritos”[1]


Nele, ao estilo filosófico helenista, teoriza sobre no corpo habitar a dor, “O corpo é o instrumento da dor. Se não é a causa primária desta é, pelo menos, a causa imediata”[2], além de realizar um convite ataráxico ao espírito encarnado na matéria pela paz moralizante:


257.“Dome suas paixões animais; não alimente ódio, nem inveja, nem ciúme, nem orgulho; não se deixe dominar pelo egoísmo; purifique-se, nutrindo bons sentimentos; pratique o bem; não ligue às coisas deste mundo importância que não merecem; e, então, embora revestido do invólucro corporal, já estará depurado, já estará liberto do jugo da matéria e, quando deixar esse invólucro, não mais lhe sofrerá a influência. Nenhuma recordação dolorosa lhe advirá dos sofrimentos físicos que haja padecido; nenhuma impressão desagradável eles lhe deixarão, porque apenas terão atingido o corpo e não a alma. Sentir-se-á feliz por se haver libertado deles e a paz da sua consciência o isentará de qualquer sofrimento moral”[3]



Feito esse preâmbulo introdutório, a serviço da contextualização histórica, sobre a Filosofia Antiga, e suas conexões gerais com o Espiritismo, parte-se, agora, para um exercício mais específico de diálogo entre os filósofos e Kardec. Assim, este compendio filosófico e espírita, passa agora para uma fase de predominância teórica, para além da narrativa histórica. Não para que a reflexão fique nesse campo teórico, escondida no intelecto humano, mas para que, a partir das reflexões feitas, possa-se ressignificar os valores e, enquanto sujeitos encarnados no desafio da vida neste mundo, realizar a revolução moral pretendida por Kardec e os espíritos da codificação quando da construção do Espiritismo.

A seleção de pensadores feita para dialogar com Kardec nesta obra, reitera-se, não pretende esgotar o assunto, pelo contrário. Busca-se, apenas inicialmente, destacar as reflexões entre filosofia e espiritismo buscando, nesta união, compreender-se melhor a proposta espírita ao mesmo tempo que se é revelada as respostas espirituais da Doutrina dos Espíritos aos grandes dilemas filosóficos apresentados na História da Filosofia.

[1] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: filosofia espiritualista / recebidos e coordenados. [tradução de Guillon Ribeiro]. – 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. Pág. 162. [2] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: filosofia espiritualista / recebidos e coordenados. [tradução de Guillon Ribeiro]. – 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. Pág.162 [3] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: filosofia espiritualista / recebidos e coordenados. [tradução de Guillon Ribeiro]. – 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. Pág.167-168.

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