B) Período Clássico e a Doutrina dos Espíritos
- Vinícius Costa
- 11 de out. de 2022
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Na Grécia antiga, a formação territorial, iniciou-se a partir dos genos, pequenas unidades rurais formadoras das primeiras comunidades da península do Peloponeso e de todo território grego pelo Mediterrâneo. À medida que a Grécia se expandia economicamente pelo intenso comércio marítimo do mediterrâneo, esses genos foram se transformando nas polis gregas, onde se destaca, tendo maiores reconhecimentos históricos, as polis de Esparta e Atenas. Esta última, chega a seu esplendor no século V a.e.c. e IV a.e.c. quando das reformas de Péricles, a formação da Liga de Delos e o desenvolvimento do modelo político democrático legado a humanidade.
A consolidação de Atenas como principal polis grega a partir do século V a.e.c, marca também a chegada de um novo jeito de filosofar na Grécia em que Sócrates tem papel decisivo e principal. O intenso comércio na cidade vai fazer com que pensadores estrangeiros migrem para a polis ateniense e busquem educar filosoficamente os eupátridas, a elite nascida em Atenas, e os metecos, os comerciantes de camada social intermediária, que pudessem pagá-los. Esse grupo de pensadores estrangeiros conhecido por sofistas, que tinham por representante pensadores como Protágoras de Abdera, Górgias, Hypias, Trasímaco entre outros, construíram o saber de maneira diferente, por vezes, inverso à tradição filosófica da cidade de Atenas. Os sofistas inauguram a filosofia cética na região, bem como valorizavam o antropocentrismo, Protágoras é o autor -por exemplo - da frase “o homem é a medida de todas as coisas”, o relativismo, a oratória, a retórica e a antilogia. Além disso, os sofistas ensinavam seus saberes a quem pudesse pagar o que se diferenciava do conhecimento filosófico da cidade de Atenas que era destinado aos aristocratas. Estes possuíam o ócio, tempo destinado ao vazio produtivo para o intelecto humano, característica essencial para o fazer filosófico clássico na Grécia. Os sofistas negavam o ócio, transformando o seu saber em neg-ócio, na busca, também, de um retorno financeiro com o comércio intelectual praticado. Por um lado, é inegável que a tradição filosófica enxergou por muitos séculos os sofistas como inimigos da filosofia, principalmente por seu descaso com a busca da verdade. Após o século XIX, todavia, os sofistas passam a ser vistas como os filósofos do princípio do ceticismo, onde, opondo-se a Sócrates, ajudaram a fomentar as discussões sobre o saber e, assim popularizar a filosofia até, então, ligada, apenas, às elites gregas.
Fato é que os intensos debates, principalmente na ágora, praça pública usadas para debates políticos e tertúlias filosóficas na Grécia Antiga, mudaram a compreensão da busca filosófica dos pensadores clássicos. A ideia de procurar a verdade apenas na essência, como presumia o pensamento pré-socrático, mostrava-se diminuto de importância para dar conta das reflexões propostas no intenso debate entre os filósofos (os que amavam o saber) com os sofistas (aqueles que filosofavam só pelo saber, sem marcadamente o amor, e por isso envolviam dinheiro). Assim, paulatinamente, as reflexões ontológicas, tão comuns nos séculos VII a.e.c. e VI a.e.c. foram sendo substituídas por reflexões mais amplas, por estudos sobre o conhecimento em si, na busca pela verdade onde ela estiver, chamada epistemologia. Além disso, o intenso debate entre filósofos e sofistas fez como que o logos prevalecesse nas discussões, fazendo com que a linguagem mitológica e poética, que ainda permanecia nos tratos pré-socráticos, fosse progressivamente tendo menos importância nos debates filosóficos e políticos de Atenas.
A figura de Sócrates passa a ser, então, a grande referência do grupo que defendia os filósofos, os amantes do saber perante os sofistas, os comerciantes do saber. Sócrates foi apresentado ao mundo prioritariamente por Platão, filósofo que se vê como um discípulo do mestre ateniense. Pouco se sabe da história de Sócrates e suas biografias, como a mais famosa de Xenofonte, é escrita ou a posterióri da morte do mestre ateniense ou por filósofos que não necessariamente se é comprovado que tiveram contato o pai da filosofia grega. Da época que se atribui a vida de Sócrates, 470 a.e.c - 399 a.e.c, Platão é praticamente o único filósofo inventariante do legado socrático a escrever sobre a existência do pensador. Em Platão, Sócrates é um personagem representativo da sabedoria, um oráculo vivo a guiar os passos de quem se dedica a construção do saber. Poucas fontes contam mais sobre o Sócrates real, como ele era, quais suas práticas e, como também, o autor não deixa registros escritos de sua filosofia foi comum, ao longo dos séculos, alguns pensadores e historiadores, até mesmo, duvidarem da existência do homem Sócrates defendendo que este fora apenas uma personagem dos livros de Platão. Uma teoria que desmonta parcialmente isso é a presença de Sócrates em um dos textos gregos mais importantes do teatro de comédia grego, no século V a.e.c. a obra “As Nuvens” de Aristófanes. Nesse roteiro de teatro, o autor coloca Sócrates para conversar com os céus em uma crítica sobre a filosofia ter pouco a ver com o conhecimento prático. Aqueles que percebem Sócrates como sujeito histórico, usam o trabalho de Aristófanes para defender que não só Platão, na transição do século V a.e.c. por IV a.e.c. falou de Sócrates, mas também Aristófanes, em sentido crítico, o que mostraria que Sócrates despertava paixões favoráveis e contrárias em Atenas. Todavia, outros pesquisadores argumentam que a personagem do teatro de Aristófanes possa ser em referência a personagem platônica do sábio, já popularizada na Grécia desde a formação da escola de Platão, a Academia. Em verdade tal discussão sobre a existência ou não de Sócrates torna-se ineficaz, pois esbarra, primordialmente, na questão das fontes. Qualquer afirmação no sentido de negação da existência do mestre ateniense carece de fontes fortes que comprovem tal cenário. Tal discussão assim, acaba sendo parecida a de outras personalidades das Antiguidade que não deixaram registros escritos, como a própria figura de Jesus, onde se há, mesmo que de maneira não dominante, as mesmas sugestões de inexistência por certa parte de pensamentos acadêmicos. Independentemente deste ponto que clama mais a polêmica do que a historicidade, do ponto de vista filosófico, interessa perceber que a ideia de Sócrates ser a grande referência da Grécia, sobre o como proceder no fazer filosófico, vem de Platão. Se até hoje vários amantes da filosofia carregam-se uma devoção ao mestre ateniense, como o grande fundador do fazer filosófico essencialmente focado no logos, tal ideário nasceu do seu primeiro discípulo. Platão idealiza e referencia Sócrates para a humanidade. Por isso, não há Sócrates sem Platão e isso é o que há de fundamental para saber sobre a discussão da existência, ou não, histórica de Sócrates.
Na codificação da Doutrina Espírita esse binômio, Sócrates e Platão, sempre é lembrado dessa maneira, conjunta. Kardec exalta Sócrates ao mesmo tempo que presta referência a Platão, demonstrando ter clareza da simbiose de ideias entre mestre e discípulo como demonstrado na parte quarta da introdução de “O Evangelho segundo o Espiritismo”. O Professor Rivail, ao remontar as ideias filosóficas que permitiram a compreensão da mensagem de Jesus, quando este encarnou na Terra, não deixa dúvidas de que foram precursores do cristianismo os mestres da Filosofia Grega. Não negando a importância da tradição judaica, esta do ponto de vista religioso, clara desde a construção dos textos bíblicos, Kardec prefere introduzir os filósofos como precursores do cristianismo e do espiritismo, antes das análises religiosas que se iniciam, no capítulo um da referida obra, pelos estudos de Moisés. De alguma maneira, o codificador, por essa organização de pensamento na construção de O “Evangelho segundo o Espiritismo”, aponta que a compreensão filosófica é uma porta de entrada necessária para a plena compreensão dos textos religiosos sagrados. Afinal é ele, o logos, aquele capaz de gerar a reflexão necessária e extrair os símbolos e suas interpretações para melhor compreensão dos ensinamentos de Cristo legado à humanidade pelos textos de seus primeiros seguidores reunidos na Bíblia.
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